segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"Mundo Pet"

Engraçado ter lido justamente essa HQ na semana em que falava do mediador.
Se de um lado, meu mediador desabafava sobre sua inatividade por ter sucumbido ao mundo externo ao seu calabouço metafísico, por outro, urgia a minha necessidade do direito de réplica a esse mal agradecido e falso moralista.
E foi assim, passando a conhecer o bichinho rebelde de Lourenço Mutarelli, que decidi digitar um discurso espontâneo (se eu o escrevesse em folha e caneta, certamente este meu atual mediador ousaria tomar a voz, ainda que preguiçosamente) que não se direciona diretamente a você, mas tem um destinatário, afinal — e peço que não passem da superfície desse texto, porque o meu objetivo é que o canal seja a própria implosão deste remetente que vos fala.

E invejei, então, esse bichinho: assim meio dócil, meio canino, meio humano, meio rebelde, cru nu débil. E fodendo a cabeça de Mutarelli.
E voltei a olhar ao meu, meio suntuoso, requintado, de um ar meio jônico — mas inutilmente sempre dormindo. Nos poucos instantes que conseguia acordar quando eu o sacudia, me vinha com aquela peneira na mão: "não se esqueça do travessão, querida!" "nanani-não, nada de palavrões e nada muito sexual também, você não leva jeito. Fala metaforicamente que é melhor!", "você não acha que é meio cedo falar sobre isso agora? Aposto como você faz algo melhor se esperar um tiquinho mais". E, quando eu o conseguia fazer levantar-se de sua Domus Aurea — que eu mesma preparei especialmente para ele, inclusive — ele retrucava "É texto metalinguístico? pode ser que eu aceite, sendo assim"

Ele nem sempre foi assim. Na verdade, ainda lembro de alguns mediadores meio troll doll de outrora que, se não eram ativos, ao menos não procrastinavam quando eu pedia.

Portanto, caro você (espero, 3ª pessoa que me lê, que você tenha beirado a superfície textual até agora, porque a ordem gramatical das coisas alterou-se há algum tempo), se você quer mesmo me deixar sozinha com a mera produção factual, de pesquisa ou acadêmica, peço apenas isso: pare de foder com a minha cabeça.

domingo, 5 de setembro de 2010

O Mediador


Era, portanto, hora de confinar-se em seu próprio calabouço metafísico. Exposto sob espectros de luz de existência, então, duvidosa, ele matutava sobre suas ideias que transgrediam os paradigmas convencionados da realidade terrestre.
Era curioso o processo da criação - a existência desse sujeito perpassava e acompanhava todo o disco protoplanetário que emergia após o surgimento de uma estrela proveniente do seu próprio caos; só que nem ele mesmo existia por completo como imagem. Era provável, por enquanto, que fosse apenas um eco de existência proferidos por alguém de ordem superior.

Mas materializou-se, por fim: não tinha nada de extraordinário, o mediante era apenas um sujeito com um semblante taciturno, desgastado e resignado com sua própria atividade, com bigode e sobrancelhas despenteadas. Porém, não era o único nesse mundinho de valha-me-Deus: existe um espaço onde residem os discursos humanos um dia já ditos (pela palavra ou não), no qual habitam como devaneios, todos fundidos unilateralmente, com assuntos desorganizados, quase inviável de transmudá-los e, então, transportá-los através de palavras – são chamados, assim, de ideias inefáveis.
Os outros mediadores desses transporte de mensagens, contudo, geralmente estão sempre dispostos e, por isso, trabalham regularmente, veiculando o discurso àquele a que o deseje comunicar, dia após dia.

Não se pode, porém, julgar a indisposição de nosso mediador em trabalhar. Afinal, não se tratam de mensagens factuais, ou corriqueiras e banais, mas possuem a especificidade das metáforas, do fictício, do significado implícito ou não, e todos esses outros recursos que demandam uma das facetas do literário.

O que este mediador do qual tratamos tenta evocar agora – após uma breve visita à pocilga dos discursos – é de que é também justa a vida leviana da pessoa responsável pela administração do canal das mensagens (no caso do mediador: a escrita), com tudo de mais dionisíaco e passível de fazer sentido social.

Entretanto, ainda que se acentue a exaustão no rosto durante o processo de seu trabalho, o mediador muito sente pela interrupção da transmissão de suas mensagens e anseia, encarecidamente, que esse canal não se esqueça também daquilo que não é passível de fazer sentido.

E que o deixe trabalhar.