domingo, 6 de novembro de 2011

Meus 20 e poucos

Eu fixamente acompanhava o ponteiro dos segundos enquanto percebia, nele, o maior barulho de toda a casa durante a madrugada. Esse mínimo tinir durante o dia foi o que incitou esses noventa decibéis cá dentro. Era 1h da manhã quando eu havia de pensar na obssessiva procura da natureza da experiência em Arendt e Walter Benjamin e resolvi quebrar o raciocínio pra pensar nas minhas obsessões por experiência nesses meus quase, como mostrava o tic-tac do relógio da cozinha, vinte e poucos anos. Havia tanto ruído por cá que o corpo vibrava.

Mais de vinte e poucos segundos se passavam e me forçavam a querer reconhecer minhas raízes e descobrir o que, além das células, do dinheiro gasto em depilação, bebida e afins, havia finalmente mudado no corpo que habito. Eu desconfio. O limbo interno, onde algumas ideias ficavam presas, estava disposto a prendê-las a salvo de mim mesma. Consequentemente, meu poder de conclusão das ideias debilmente funcionava. Era preciso reinventar e maturar, mas havia um cretinozinho invasor, um corpo estranho, se criando cá dentro.

Não eram nem vinte e poucos completos ainda, mas já havia mais de vinte e poucos relacionamentos nas costas. Como ardiam esses corpos e como ardia a razão daqueles que viam sua individualidade e sexualidade serem abstraídas ao não conseguirem mais com facilidade penetrarem-se dentro de si após uma penetração no outro: “1/16 de individualide por uma lambida na nuca!” e viciavam-se e prometiam-se exclusividade só (só?) para garantirem o uso de nossos mais de seiscentos mil pontos de sensibilidade espalhados pelo corpo.

E, a fim de reproduzirem esse aborto de amor oriundo dos entes e amigos mais queridos com o acréscimo da monogamia e do consequente desejo da posse do sexo do outro, negociavam suas individualides. Quebrariam a cara, mas negociariam futuramente e além. E, enquanto não tiverem o acordo dos deuses com um rostinho agradável, continuariam a completar mais de vinte e poucos anos fantasiando pessoas e, eventualmente, se perguntando em madrugadas barulhentas o quanto de individualidade foi deixada no meio do sexo dos outros.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Carta do Innerself

Conversar consigo mesma é uma bosta. Não há greve dos Correios que me impeça de receber isso aqui:

"Amada, essa é a primeira vez que farei uso da escrita livre. Não pretendo que seja a última, assim como não pretendo que seja público (ao menos não pretendia quando escrevi há um mês atrás). Pretendo que seja meu e seu, que seja um exercício de organização mental.

A mente de um tímido, você sabe, é curiosamente detestável. Há um turbilhão de palavras na mente do enrustido que se potencializam e não necessariamente evoluem de maneira positiva. Se aprofundam, porque é isto que bem sabe fazer estes pudicos que, céus, não desejam macular o mundo com seus pensamentos profanos. E estas são suas sinas: embora inventivos, contentam-se em resvalar em seu profundo si-mesmo e permanecerem lá, estatelados em suas neuroses.

Por esse motivo, entoo a prece: que os textos saibam abrigar as ideias da mesma forma que a consciência recolhe algum substrato do inconsciente. E que as técnicas de redação sirvam como um superego em seu mais saudável estado - que não exista para tolher a essência do texto, mas torná-lo intelegível a todos aqueles que ainda não desenvolveram telepatia. E que, Jesus!, não me apareça mais esse recorrente pé grande do Monty Python no momento da concretização textual.

Que os textos metalinguísticos possam se tornar uma opção (ou mesmo um sub-tema) e não a única saída. Que assim seja.

Um beijo, amada, cuida dessa saúde mental,

and thanks for all the oxygen,

Innerself"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ode(-)aos seres atemorizadores

Antes mesmo de iniciar este parágrafo, só para constar, queria deixar claro minha relutância em iniciá-lo. Se já fiz o estrago, é porque nem mesmo as ideias banais devem ser relegadas. Não porque elas podem ser boas ideias disfarçadas, ou porque – leiam com pedantismo – “possuem a profundidade resgatada do mais longínquo pueril pensamento” (e não preciso nem explicar a metafísica possível dessas doces lembranças) mas porque, se não as expurgarmos de alguma forma, elas nos dominam.

“Ode-aos seres atemorizadores” é muito mais forte do que eu ou você. É um impulso descontínuo que, em qualquer sinal de alarde, te cobre nestes indesejados momentos... mas infelizmente – e justo por ser intermitente – falho. Ao decorrer da companhia muito longa do semi-conhecido, do desconfiado parente de um ex, de um atual ou simples e genérico como qualquer ser que, maldosamente ou não, te prepare um maçante e indelicado questionário a fim de espicaçar e atormentar a dura quitina do qual tentávamos metamorfosear só um tiquinho que o fosse, é que então acontece.

Paranóia presa na garganta – porque as sensações mais iminentes do corpo sempre ficam por lá –, uma explosão de corante sobre o rosto, chumaço de algodão no lugar do cérebro e, consequentemente, todos os sistemas do organismo trabalhando irregularmente e entrando num caos generalizado, como o encurtamento das pregas vocais, por exemplo, que, num ato desesperado e irracional – desconfia-se de relação com o sumiço da massa encefálica – resolvem mutilar-se, de modo a provocar uma voz mais aguda e fina do que a normal, além de alguns engasgos devido a alguns órgãos da garganta fora do lugar.

Com muita engenhosidade, o lado esquerdo do chumaço te propõe a ser o que você não é, porém, o lado direito, aquele capaz de lograr com êxito o tamanho desafio da criação, está ocupado demais já fazendo surgir um pequeno pé-de-feijão dentro de si.

Esse é o momento. Muitos pontos aqui. A Terra caminha num slow motion. A pessoa te olha. Espera um início de conversa. Enquanto isso, no entanto, você está estatelado e profundamente intrigado sobre como é possível crescer um pé-de-feijão no corpo e, o que é mais incrível... num algodão. O lado direito, graças, improvisa:

- Mas esse engarrafamento, viu?