Fazia agora um bom tempo que a outra saúva não via Strifon. A outra saúva, coitada, penou quando havia se desmembrado toda. Mas tanto alento ganhou de Tri que, como custou a perceber, não tardou logo a perder o passo moroso. Hoje faz exato um ano que não se falam.
Estes últimos pensamentos tomaram a cabeça da saúva antes de serem interrompidos por um curioso portento - uma enérgica saúva outra sacudindo-se trem afora e rumando ao seu encontro; seu velho amigo Tri!
A outra saúva, naturalmente, não se conteve:
- TRI!!
Se pudessem ter gestos humanos, com muito gosto, sorriria Strifon naquele momento.
- Como andas, minha querida, desde que nos vimos? - falava a saúva mais experiente, num velho tom de zelo à outra sem nome.
- Tenho segurado as coisas nessa estação chuvosa melhor que da vez passada. Andei com saudades tuas. Mesmo depois de certo esporro pela minha preocupação.
- Acho ótima a saudade. Desde que não te envergue tanto as antenas, ou perderás teu senso de direção.
Com senso ou sem, esses comentários se faziam lar para a miúda saúva.
- Lembra do sauveiro em construção que falei?
- Por certo que sim.
- Então, ele tá ficando uma beleza. Ainda é uma certa desordem, mas podemos beliscar alguma seiva e uns torrões de açúcar que consegui. Descobri umas folhas e raízes que fazem uma divindade de líquido que tomo quente às cinco da tarde. - dizia enquanto socava no bolso do Tri um pequeno cubo de açúcar da bolsinha que carregava consigo. - Experimente, experimente. Você não sabe o quanto custa pegar um desses, mas como me alegra ter dias mais doces.
Os óculos de Strifon caiam um pouco, enquanto ele esboçava o que, se fosse humano, um sorriso de gente encantada. Tomou-lhe o açúcar da mão da saúva e falou:
- Não abuse dessas coisas. Pode fazer um bocado mal, sabia?
E, dizendo isso, guiava (ainda com as antenas machucadas) a outra saúva, que lhe seguia, enquanto corria até o novo sauveiro, num passo tresloucado, se vamos ser francos.
A outra saúva, e novamente repetimos, se não fosse inseto, estaria rindo ensandecidamente, tal qual o passo de Strifon.
Por fim, chegaram. A outra saúva pede à madura que não reclame da bagunça (no que percebeu ser um inútil pedido, tamanho era o olhar de desaprovação recebido) e que fique à vontade e, se possível, muito tempo!
- Não posso ficar muito tempo.
A outra saúva começou a soprar brutalmente o que seria sua xícara de chá. Acabou por engolir quente, mesmo assim.
- Olha - e dizia tão pausadamente aquela sem nome - Quando você se foi, eu mudei muita coisa... E vivenciar de novo isso...
Strifon o olha sério.
- É que... - procurava concluir aquela que não era graúda
- Você sabe que ninguém verdadeiramente se vai até que nós verdadeiramente nos formos, não é?
A outra olhava Tri. Registrava cada pedacinho da criatura no olhar que lhe dava. Talvez a entendesse. Até que um pé pesado lhe esmagasse, entenderia. E largou o açúcar e, acho que finalmente por aqui, não só sorriu, como abraçou Strifon.
- Você não lavou as patinhas antes de tocar nas folhas - observou aquela com nome
- Lavar patinha? E isso é verossímil?
- E estarmos abraçados é?
Fazia algum tempo, Strifon era responsável pela outra saúva, como a tantos em antigo sauveiro. A outra, a sem nome, também era. Isso não muda. Uma pequena confusão semântica com o verbo ser, mas a responsabilidade mútua tá aí.
O chá acabou. A folha acabou. Mas toda fração de Strifon não sairia da mente, pedisse o mundo, ou não, muita pressa com ele.
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