quarta-feira, 7 de abril de 2010

A pedra


AVISO: O Blogspot.com cansou de não se responsabilizar pela leitura e, atualmente, simplesmente não se importa.

Se algum dia me fosse concedido a dádiva de poder mudar qualquer coisa que considerasse como um fardo na vida, certamente seria o de ser o narrador onisciente. Longe de mim parecer ter má-vontade ao descrever minhas histórias. Mas entendam: defrontar com as mais absurdas e inverossímeis situações acaba desatinando qualquer ser vivo. Aliás, pertencer a um plano literário é relativizar minha existência: falo, penso, conto histórias, mas estou vivo? Afora isso, minha presença onisciente é o que vitaliza, de fato, as personagens de terceira pessoa. Antes de minhas observações, são apenas chumaços de inconsciência, uma neblina com um discurso inteligível para humanóides. E é minha função, portanto, converter essa comunicação - tão abstrata - em um canal mais acessível, como a língua.
O que mais me dói, porém, é jamais receber a real empatia do leitor acerca do meu tratamento com as personagens: ele jamais saberá - talvez chegue a saber, mas dificilmente valorizará - o quanto as cultivei, estudei e as guardei. E o quanto me dói a cabeça por estar em cima do muro que me separa entre o verossímil e o inverossímil.

Pois bem, sei que minhas procrastinações te irritam, mas como nunca manifesto minhas observações pessoais, achei que um pouco de desabafo não faria mal a ninguém. Perdoem a catarse e comecemos, leitor incompreensível:

Estava eu, sob a sombra de uma árvore, regado a mansidade e água fresca, quando - num ímpeto - um certo indivíduo velho e rancoroso perfura cenário literário adentro, de modo a rebater uma vastidão de letras e palavras desconexas diretamente na minha cara - soube, nesse instante, que seria mais uma daquelas cenas.
O velho, que comecei a simpatizar (talvez pela minha natural compaixão) aproximava-se de uma, igualmente velha, pedra.

- Boa tarde, minha cara. - dizia com certa dificuldade à pedra - Dias ensolarados estes, ein? Estão de rachar - e voltava a olhar, com alguma graça e malícia, para a rocha.

A pedra parava. O velho olhava com certa confusão entre o incômodo e a curisiodade. Resolveu se sentar.

- Sabe... agora que cheguei nesta etapa, percebo como é engraçado essa coisa de vida. No começo a gente chora, não quer participar, é obrigado a usar uns panos, sabe - olhava de volta para a pedra - Você não teve isso, não foi? - voltava a olhar, como se esperasse uma resposta.

A pedra rochava. O velho, então, continuou:

- Pois bem, daí surge sua mãe e lhe ensina umas coisas e lhe dá colo, e aí você sente que tudo pode ficar (e até fica) mais gostoso - olhava meio pra cima - e aí é a fase que você começa a aflorar o que depois vai acreditar se chamar "imaginação"... você acredita nisso? É engraçado como a língua pode tirar certas fortunas de uma criança. Você imagina que um menino tem um mundo todinho paralelo a este que conhecemos e posteriormente irão fazê-lo chamar isto de "uma invenção sua"? Eu, pelo menos, nunca acreditei que uma coisa que julgasse ser real não o seria por não pertencer a uma mente coletiva - falava com um tom na voz que beirava a brutalidade.

A rocha só pedrava, ainda assim.
O velho suspirava nostalgicamente e se deitava sobre a grama.

- Amanheceu rápido, não? - esperou uma resposta novamente, mas voltou a falar rapidamente - Digo, não tenho nada contra o dia, contudo gostaria que a noite demorasse mais - tossia - Isso me faz pensar na vida também. Tantas vezes que pedi uma tréguazinha ao tempo, sempre pedi "calma lá com a pressa". Só tenho uma vida pra viver e com tantas outras vidas. Vinte e quatro horas é tão pouco tempo pra um dia e, basicamente, nossa vida consiste unicamente neste dia - retornava o olhar cansado para a pedra - mas ele me respondia igualzinho a você.

A rocha rachava.

- Foi quando me tornei ranzinza. Não sei se me tornei assim reclamão por não conquistar plenamente meus objetivos ou se do contrário: não conquistei minhas ambições por ter me tornado ranzinza - franzia a testa, de modo a acentuar suas rugas; sua expressão havia conseguido se tornar ainda mais deprimente - Foi quando, então, me defendi do tempo. Entendi que não devia ter sentimento por alguém se não quisesse padecer ao ver esse objeto do meu afeto fenecer. Eu sabia que teria sentimento demais e me perguntei "se o tempo, que age diretamente com as pessoas, se mantém sempre vivo e com grande poderio sem necessariamente ser bom às pessoas... por que eu tenho de confiar... no afeto?"
O sol, à medida que ia descendo, incidia diretamente na pedra, fazendo-a rachar mais. Se alguém, além da pedra e de mim - que estou acostumado com esse tipo de diálogo de personagem - estivessem ouvindo aquele velho, certamente morreria antes dele.

- E então aprendi a lidar com a vida. Peguei-a de jeito, sabe. Fui duro como você. Não sei dizer se fui racional. Essa palavra é, em alguns casos, tão destrutiva assim como "imaginação" é pra mim: afinal, como defini-la se a gente tem referenciais que se divergem em relação ao que consideramos sensatez? - pensava - Como falava: trabalhei, dei duro. Deixei de lado um pouco novas oportunidades e pessoas, mas cumpri meu papel... acho.

O velho se acomodava mais na grama e falava com orgulho:

- Foi uma vida extenuante, mas lucrativa. E não é que eu goste de dinheiro, pode olhar pra mim e notar que sou simples - e se exibia em frente à pedra - mas precisava de um subterfúgio pra evitar o tempo. Tem gente que chama isso de "ideologia" - tosse forte e galantemente pede desculpas - Vá lá que seja. Eu cumpri minha missão. Fui bem nos negócios, tive uma vida estimuladora para os outros.

A pedra rachava mais fundo. Começava a estalar. O velho se assusta, mas, ainda absorto em sua linha de raciocínio, torna a voltar a falar:

- O que faz me sentir assim, meio vazio, meio sem guia agora, eu não sei. Temo ser a volta do tempo a atacar contra mim, temo ser essa velhice, mas acho que temo ainda mais não ser nada disso.

O sol estava a pino. A pedra estalava - rachava rachava e rachava - até que vários pedregulhos foram atirados, ricocheteados e estatelados no chão. Uma enorme cratera abriu-se na pedra que, com muito desengonço e numa voz grave e quase inteligível - juro, esta cena que é exdrúxula até mesmo para mim, narrador, que já deveria estar acostumado com este tipo de coisa - balbuciou:

- Que inveja de você que ao menos teve chance. Quem me dera um dia poder amar.

"Quem me dera um dia poder amar" - exatamente assim, sem saber se "dia" é objeto direto ou oração intercalada - eram as ondas sonoras que tinham a exata vibração que poderiam rachar a cabeça do velho.
E uma vez que ele não pôde falar, a pedra parecia ter roubado as suas cordas vocais e o deixou estático, duro, como se naquela específica conversa, só um pudesse falar e só um podia ser pedra - embora fosse difícil eleger o mais apto para tal cargo.

- Quem me dera um dia poder amar! Quem me dera um dia poder amar! Quemmederaumdiapoderamar!... - repetia a frase disparadamente uma atrás da outra

O sol já começava a baixar e a querida noite do pobre ancião estava por vir. Ele, entretanto, com o olhar completamente tomado pela pedra, a via expressar-se, com todo sentimento que podia, "Quem me dera um dia poder amar" e franzia seu rosto, enrugava-o, mas não entendia.
A pedra não tinha mais sol e não racharia, por enquanto - mas sabia que alguém iria fazê-lo em seu lugar.

E este foi todo o relato que tive. Não quis continuar naquele ambiente que me parecia agora inóspito e, então, voltei para cima do meu muro que separa o literário do não-literário. Não deveria ter me assustado, mas confesso que essa bizarrice me provocou medo - e, dado minha condição de personagem, tive até medo de ter esse medo.
Saí de lá e prefiro, por um instante, esvair minha confusa existência porque tive sensações que diria serem vagas e esquisitas demais para mim... mas confesso que mais incompreensível ainda é uma pedra "pedrar" pra sempre.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Vaca, não era?

O problema era ser vaca, não era?

Literalmente - e não o adjetivo de mau cunho. Mas bovina: gorda, malhada e tudo.
Talvez. Mas se tivesse nascido plâncton, o problema seria ter nascido plâncton – e seria um problema ainda maior o fato de, porque nasceu plâncton, não ter problema.
“Quem me dera ser um peixe” proferiu, em algum súbito de inconsciência, um tal de Fagner, e eu o teria parafraseado - se ele não tivesse perdido o fluxo de bons fluidos do seu inconsciente e, por um deslize, enveredado por caminhos de más intenções em suas hipotéticas habilidades aquáticas.

Mas esqueçam tantas delongas: o problema era ser vaca. Não teria outra natureza específica que eu almejasse, era só cansaço mesmo – mas se tivesse nascido uma coisa diferente a cada dia, seria constantemente a inconstância, portanto, metamorfose, outra natureza fixa da qual me cansaria, não era? Pensei se teria dado sorte se tivesse nascido humana. Daí lembrei que, como então mulher, acharia um problema achar que nascer como ser humano é um problema – então descartei a ideia.

Voltei a ruminar. Sei que parece ridícula a idéia do pasto em concomitância com os pensamentos filosóficos sobre a vida, mas, em minha modesta opinião de vaca apenas, há diversos comportamentos humanos também questionáveis e nem por isso estou discutindo com você.
Voltando: voltei ao meu pasto. Não era um peixe, já havia me conformado antes mesmo da música – mas tive uma fisgada. Ontológica, digamos. Sabia que se tivesse sido humana, estaria tão intrigadamente em torno do meu âmago que dificilmente pensaria na idéia da comunhão com outras vidas – ora, somos isso tudo aqui, todo esse cosmo, e não é porque entendo intimamente este corpo que carrego e que me pesa que sou apenas isso; como se o meu presente é a vida, o existir, e não este corpo? - e, portanto, dificilmente deixaria de possuir uma vida só humana.

Mas a vida – que por ser tão livre precisa ser segredo - só não é desvendada porque antagoniza o corpo – que é prisão. Mas tenho culpa se eu, vaca, desejo mudar isso nesta vida?
E mudaria, acharia um modo.
Discorreu Luís Fernando Veríssimo – sim, criei a habilidade de ler aqui, sou um animal bovino que sabe desfrutar astutamente das vantagens do mundo literário - em alguma crônica que Napoleão Bonaparte tinha a grande ambição de poder escrever, como não conseguiu, partiu para o plano B de dominar o mundo.

*suspira*

Pensei em mim e como me livrar disto – drasticamente, percebam - que é prisão: bem, escrever não seria para uma vaca nem mesmo aqui – tenho cinco minutos de fama agora, mas e quando minha estória acabar? - e sou modesta demais para dominar o mundo todinho.

Olhei adiante. Sabia que a estória iria começar nesse parágrafo:

Não estava mais no pasto, havia sonhado, talvez, mas um local fechado – acordei, inclusive, porque sou claustrofóbica – com supostas quatro rodas pesadas que me transportavam com outros desnorteados e avoados bovinos. A porta se abrira. Alguns açougueiros adiantes e algumas noções de realidade apreensiva surgiram nas pobres cabeças dos outros bois. Eis que: uma epifania! Uma visão miraculosa e algum sentimento de justiça que, juro, esse Deus não poderia ter me dado à toa!
E justiça seria feita – dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. E, com alguma ira animalesca e feminina, dou por mim na casa de animais: clientes assustados, carnes derrubadas. Mais nove haviam escapado. Direciono-me a um tal de Orlando, funcionário que salgava carne seca nos fundos, mas ele se tranca no banheiro. Nada. E minha ira bovídea de justiça? E a vontade de trocar a única natureza que possuo? Vá lá, ser assassina estaria mais pra ganhar um novo adjetivo que apenas me complementaria, mas não me faria tornar uma nova coisa, entretranto, ainda assim é mais de uma vida em uma só – e vida justiceira, não era?
Avistei um dos açougueiros. Peguei-o. Machuquei-o. Pisei. Pisei. Justiça era feita?

*suspira de novo*

Não...
Parece que minha suposta epifania teria se esvaído. Se tornar assassina não era criar uma natureza a mais em uma só vida, era só um adjetivo que corromperia – ainda mais - a comunhão de vidas que existia nesta de que vivemos e interagimos agora. E eu, pobre, só uma vaca.

Depois de machucá-lo violentamente, desisti. Das outras vidas bovídeas naquele infeliz recinto não tive notícias, mas eu segui. E tudo isto, apesar de tudo, ainda parece e tem tom de uma piada.
Mas se parei é porque se tornar assassina já não adiantaria – o problema era ser vaca, não era? Mas se tivesse nascido plâncton ou humano o problema seria o mesmo, talvez.

Digo talvez e não com certeza, porque assim deixo existir a dúvida de que não há como saber – uma vez que não posso, e nunca, estar na pele deles - e de que também há: existe a comunhão das vidas, não é? (ora, se deixo de existir, você também e vice-versa... isso não o incomoda?)
O problema era ser vaca? Era. Mas compenetrar em outras mentes e seus complexos mundos – ainda que eu não os conheça intimamente como este corpo – seria o meu placebo para não me cansar por ter uma vida apenas bovídia.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Rapidinha

Há algum tempo atrás censurava os textos espontâneos. Quero dizer, até não, alguns súbitos de espontaneidade criaram interessantes parágrafos, mas a matéria bruta não era usada como viera ao mundo, somente estratificada, triturada, jogado no trigo, amassada até obter uma massa única, levado ao forno e hum... Nem sempre a receita certa. (Acho que devo ter esquecido o fermento.)
Hoje, não. Perdoe-me: agoríssima, nesse instantíssimo, não. Isso porque já perdi algumas pequeníssimas divagações ― e você sabe, as divagações comportam-se da mesma forma que o homem e a mulher em pré-relacionamento o fazem no período da conquista: é preciso muita conversa e muita lábia para que ela ceda. Primeiro, se deve entendê-la, depois captar o direcionamento do assunto ― e é precisto estar precavido de alguma bagagem de conversação, pois, em casos de lacunas "papeativas" (Deus salve a América e os neologismos!), lembrar-se de usar jogo de cintura para voltar a assuntos que o deixem seguro ― e BENG! As mocinholas, os rapazóides e as divagações estão em suas mãos. (Não me pergunte, porém, que diabos de som a onomatopéia ali no meio deveria imitar ou que deveria acontecer nesse meio tempo.)

Ahh... a vida, as divagações, os cosmos e os relacionamentos são questões mais pragmáticas do que contrariamente está incutido na mente dos seres humanos. Às vezes ― digo isso porque estou escrevendo minha divagação, mas, pela cara estranha que essas palavras fazem, devo estar avançando muito rápido neste encontro ― é preciso esquecer um pouco o requinte e, ao partir com espontaneidade, ir despindo uma letrinha aqui, cortejar a virilidade do "R" ali, tocar uma entrelinha... Hummm...

Como vocês podem ver, qualquer asno, livrando-se da artificialidade, pode se meter num relacionamento ou numa divagação ― por piores e efêmeras que sejam.
Nenhuma palavra mais quer ceder a mim, entretanto. (seria o desgosto pela onomatopéia estranha que nos atrapalhou?)

Desconfio que acabo de ter um péssimo encontro.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A arte de entender a subjetiva comunicação objetivamente


Benício. Os olhos turvos, média estatura, a calvície e a longa idade. O paletó asseado, a nobreza. A antiguidade, a longa descrição, as luvas na mão para que essas não sejam eivadas pelas asqueiras da vida, a hipocondria. A pontualidade na escrita. Sobretudo, a objetividade. A objetividade clássica, a aparência jônica e a vida metrificada.
Tudo isso em ruínas.
Eu, que te poupei o trabalho de que tu que tenhas que estereotipar uma personagem, ao vagar pela ilha de Bora Bora (desconfio que a falta de objetividade comece aqui), deparo com uma figura de campo energético extremamente intenso e carregado. Apesar de a contragosto, fui carregado a esta curiosa personagem por uma força maior (não, "força maior" é de uma subjetividade versátil demais, falemos de "curiosidade" - que, por ser sentimento, é ainda muito subjetivo, contudo é mais genérico)

- Bom dia! – soltei, muito polidamente
- Grunf! – retornou-me pomposamente a figura
- E então... – fui persuadindo-a de mansinho – não vai se apresentar, se nomear, explicar, estereotipar? Os leitores e as personagens figurantes – Ah, leitor, esqueci-me de citá-las, é que elas sempre perambulam pelas estórias e histórias sem serem percebidas mesmo... – estão ficando aflitos com seu conturbado campo!
- Por quê? – rodopiava a figura
- Questão de continuidade de raciocínio... sabe como é que é... trava.
- Pois bem – chicoteava a figura – sou um zigurate babilônico e me chamo Objetivo.

Agora, sim! Todo o cenário imaginativo havia mudado e nunca me senti tão tolo e absurdo por falar com algo semelhante a... Torre de Babel. Moldei-me todo para acreditar tal naquela situação tão inconcreta, de modo que pudesse me acomodar, normalizar a situação e, portanto, me sentir são. (desconfio que isso tenha sido a segunda parte da falta de objetividade.) Suspirei, mas não consegui conter o esganiço:

- Como podes tu, logo tu, seres objetivo? Se tu estás a falar com a figura do homem: a real objetividade?
- Credo, pra quê tanta pompa num papo coloquial, amigo? – o zigurate boqueou-me e como retomei o olhar com ódio e frustração, tornou-se a responder – certo, se estiver entendendo, assinta com a cabeça, ...? - e, objetivamente, me lançou um olhar com curiosidade.
- Benício.
- Benício. Certo, Benício, assinta com a cabeça quando estiver entendendo, ok?

Eu assenti.

- Vejamos: se é você a objetividade... – narigava ele – então, seguindo sua própria linha de raciocínio, eu só posso ser o que sobrou: a subjetividade. Concorda?

Eu assenti.

- Portaaanto... nada mais subjetivo do que uma objetividade sendo subjetiva – ele, incrivelmente e objetivamente sorriu – não é mesmo?

Eu parei de assentir. Esmiucei todo (claro que metaforicamente!) e gaguejei:

- A-acho que estou com um pouco de dor de cabeça.

O zigurate encarava um bem-te-vi que passava.

- Grunf! – galantemente o fez para o pássaro e imediatamente virou-se para mim – isso é erro seu, sabe... desde pequeno, quando aprendeu a comunicação oral e a aprimorou em seu amadurecimento. Se tivesse usado todas as comunicações que estavam incutidas em você quando pequerruxo – e você as sabia usar, na medida do possível -, não teria problema. No entanto, concentrou-se meramente em uma e, cada dia mais, foi implodindo as outras formas de se comunicar, sabe...
- E daí? – falei concentradamente muito são: sim, eu havia conseguido!

Como resposta, o zigurate, que agora afirmava se chamar Rosseau (perguntei: “por causa do filósofo?”, ele retrucou “nah... tive uma namoradinha que gostava do nome”), entoou a 9ª sinfonia de Beethoven – sua arcádia dentária tinha sido substituída por teclas de piano.

Eu não perdia o orgulho. Nem a pose. Mesmo diante de tamanho nonsense! Os princípios e a imagem são as coisas mais objetivas que um ser (inanimados, animados... dane-se! “Não entender” é também de uma objetividade pura) pode ter. (desconfio que isso tem sido a terceira parte mais subjetiva.)
Deus, como pensar com essa música?

Uma das personagens figurantes, entretanto, se achou de aparecer porque eu as havia apresentado no início. Era Alexandre, o Grande. E o que era pior: tendo como companhia de sua caminhada Diógenes, o Cínico – que implantara rodinhas em seu barril para um bom passeio pela fabulosa vista de Bora Bora

- Salve, salve, camarada! Eu e o Di – e apontava pra Diógenes – estamos agradecidos por ter nos impulsionado a aparição. A propósito, se quiseres alguma e qualquer coisa, peças ao Di, e não a mim!

E com sua ida, não pude deixar de notar que, embora ainda com expressão muito emburrada, o quão cheio de adornos estava o Di! Entretanto, não era ainda o que mais me intrigava:

- Como podem eles não fazer sentido se são de carne e osso?
- São personagens históricas, portanto, memória humana – e essa é passível de alterações. Não são carne e osso, mas fazem mais sentido do que você pensa: note essa cordialidade entre eles! A memória pode até vir com seus contratempos, mas, se soubermos como, dá para usá-la como representante da afetividade, por vezes.
- Não entendo. – roubava o cinismo de Diógenes.

O Zigurate, incrivelmente e mais uma vez objetivamente, olhou-me e triturou-me cada pedacinho (é claro que metaforicamente!):

- o seu “não entender” não faz o menor sentido.

Como se por vingança de ter meu orgulho ferido e por questões de princípios, invadi hall adentro daquele enorme zigurate. Subitamente, objetividade e subjetividade começaram a se difundir, de modo que o abstrato se tornava mais fácil de se entender e o concreto se relativizava. Como desconfiei que esse caos seria, portanto, criação minha, acabei – por ironia do destino – por me defender da forma mais insana que pude. Não me abaixei (embora tivessem concretos que literalmente caiam), não corri: me belisquei.

Acordei.
...
Fui olhar a janela. As pessoas passavam umas as outras. Algumas se comunicavam verbalmente. Consolidavam relações, empatias. Uma ou outra criança corria ao fundo. Tudo seria objetivamente. A menos que elas não queiram tão só e pouca comunicação.
Desconfio que esse sonho e estas idéias não tenham sido partes tão subjetivas assim.

Em prol disso, pararei de escrever e espero, então, que a nossa comunicação continue a ser compreendida.

domingo, 6 de setembro de 2009

Penso, logo não durmo


AVISO: O Blogspot.com cansou de não se responsabilizar pela leitura e, atualmente, simplesmente não se importa.

Certa noite, dessas de nenhuma particularidade especial ― em que não há lua cheia, ou ao menos não se sabe se há lua cheia ―, uma figura adentrava no compartimento de trabalho da outra. A figura, da qual vale a pena ressaltar seu aspecto flatulento e decadente (desde a camisa de botão apertada que acentuava sua gordura, grande altura e mamilos aos óculos de tartaruga que retiam os pingos de suor provenientes de uma atual área de couro cabeludo desmatado), verificou bem o lugar onde tanto havia demorado para chegar e, ao perceber uma placa com os dizeres "Departamento do Lobo Occipital", despejou sobre a mesa a pilha de dois andares de livros, planilhas e todo tipo de material que trazia consigo.

― Aqui estão, senhor! Informações que você vai precisar pro desenvolvimento do pensamento...

A outra figura do outro lado da mesa ― e todas essas características das personagens são tão inúteis como o céu de hoje, mas, ainda assim, iremos falar ― tinham olhos fundos, que não piscavam uma vez e, quando falava, notava-se muita cautela para que articulasse bem as palavras que soltava. Era medroso, verdade. Contudo, se não fosse medroso, seria um "balbuciador de palavras" e, portanto, louco.

... Pensamento?! ― comunicava com grande esmero uma fala que nem era tão engenhosa assim.
― Isso, amigo, trouxe informações de tudo que é lugar e tempo: desde Nabucodonosor até as fornecidas há instantes pelo Twitter do presidente americano. Trago também intertextualidades: as regras do novo acordo ortográfico e a ordem político-econômica de todos os países participantes. Tenho a utilização perfeita de todos os elementos químicos na culinária; o sentimento nacionalista exacerbado entre povos antigos já esquecidos: os Smurfs...
O QUE É ISSO?! O SISTEMA ENLOUQUECEU?! ― interrompia e berrava o Chefe do Departamento ― isso é a coisa mais absurda que já ouvi! Afora a situação política dos Smurfs, como poderei administrar toda essa informação agora? E desde quando o pronome de tratamento que você deve dirigir a mim é "amigo"?
― Desculpe, amigo.
― Senhor!
― Senhor.

O desengoçado mediante ficara petrificado com a reação do Chefe em relação às informações trazidas. Por sorte, haviam lhe precavido que tal situação poderia ocorrer e lhe guarneceram com um papel de instruções para casos de emergências e revoltas. Meteu a mão no bolso e tornou a ler:

― Hã... tem algum livro de Domenico de Masi aí no meio, não tem?!
― Tem.
― "Ócio Criativo"?
Isso ― falava com um olhar cortante, de que não caíria na possível pedante argumentação que poderiam incutir no tolo mediante.

O mediante olhava uma parte do papel que, devido ao seu suor, havia borrado e se tornado completamente ilegível.

Olha, eu não consigo entender o resumo ou a problemática do livro, mas uma intuição me diz que você deve unir todas essas informações a fim de, no futuro, usá-las numa perfeita combinação entre lazer, negócios e criatividade, sabe, senhor.
Intuição?! ― falava com deboche o do outro lado da mesa
Isso mesmo, amigo.

O Chefe do Departamento começou a pensar sobre a ideia, ou ao menos foi o que aparentou fazer, até sua boca começar a espumar fortemente, seu corpo começar a cair e convulsões tenham sido começadas. Tudo isso porque, antes de se comunicar, não havia estruturado bem suas palavras. Não pensava, balbuciava. Entretanto, tornou-se corajoso, enfim, mas, como suspeitávamos, tornou-se louco.

― Informações... tirar... daqui... mesa

Por alguma razão literária, ele até se expressou bem, porque o mediante conseguiu entendê-lo (embora sempre ache que nunca consegue entender decerto bem)

Não estou entendendo, amigo! "Tirar informações"?! E levá-las para onde?
Amontoe-as... ali... Sessão Onírica Automática...
Sessão Onírica?! "Automática" ainda por cima, que colocam informações tão desordenadamente! Isso não tem o menor sentido...

Com olhos cada vez mais fundos, espuma cada vez mais densa, o Chefe do Departamento, ainda assim, conseguiu formular um único berro inteiro:

O SISTEMA QUE NÃO FAZ O MENOR SENTIDO! SÃO 03:37 DA MANHÃ! MANDE TUDO PARA A SESSÃO ONÍRICA AUTOMÁTICA JÁ!
Mas, amigo...
É SENHOR!

domingo, 7 de junho de 2009

A vida imita o computador ou o computador imita a vida?


AVISO: O Blogspot.com não se responsabiliza pelos danos e náuseas dado a leitura do conteúdo abaixo. Prega justamente o inverso: se a leitura lhe parecer nociva e sem pé nem cabeça, encerre-a quanto antes!

Dado o processo de "mitose" no Rapidshare que acabou por gerar sua vida, Bill.exe nascia. (Breve nota: há ainda a versão abrasileirada "Severino.exe", porém, como não queremos alusões à obras literárias de cunho regionalista, fiquemos com o americanizado Bill que atende com mais eficiência à uma demanda de estórias globalizadas)
Primeiramente, como criatura simplista, era Bill.rar. Um pouco inútil, é verdade, dada a sua compactibilidade. Alguém, porém, que regia aquele espaço sob o IP 66.247.42.238, deu-lhe tempo e energia para que se tornasse, então, um ser muito mais complexo.
O que esse ser onipotente não poderia prever era a ingenuidade de Bill.exe, isso porque Bill trouxera outras informações com ele que, embora achasse que adquiriria mais notoriedade e respeito com arquivos como "Leia-me.txt", tais arquivos eram dispensados por essa tão exigente onipotência -- no mínimo, jogados na Lixeira.
Ao perder projetos de vida como esse, Bill indagava-se acerca da sua existência no computador e procurava respostas para suas perguntas, mas o que ele não sabia é que nem mesmo suas perguntas(ou principalmente elas) não estavam nem um tiquito perto da verdadeira realidade.
Bill, porém, acabou por presumir uma coisa: a sociedade em que vivia era escatológica. Isso signicava que ele deveria seguir sempre seu metódico programa para que não fosse punido no juízo final. E quanto a isso nunca vacilou! Ora, ele conhecia histórias de outros arquivos que, sabe-se-lá por birra ou má administração da onipotência -- vale ressaltar que o espaço sob o IP 66.247.42.238 vive sempre saturado, excedendo a quantidade de arquivos que permite o bom funcionamento do computador, daí, pelo mesmo motivo, alguns arquivos se irritam e resolvem não funcionar ou corromper outros, só por protesto --, esses arquivos foram, então, condenados à lixeira e depois à sentença da "exclusão do computador".
Por esse motivo, Bill.exe fez sempre o máximo que pode, aceitando todos os preceitos do figura onipotente, mesmo que ela não ligasse para o seu funcionamento (todos exaltados no extinto "Leia-me.txt")

Acabou que, por conseguinte, Bill recebera finalmente atenção do Senhor Externo e pudera evoluir para novas versões: Bill 2.0, Bill 3.5, Bill 4.2., até tornar-se Bill 7.0.
No auge do aperfeiçoamento do seu programa, Bill não poderia sentir-se mais feliz(embora demonstrasse estar sempre trabalhando, afinal, Bill.exe era muito profissional): conheceu sites de compartilhamento onde nunca antes tinha entrado; o número de suas duplicações crescia cada dia mais e sua empresa crescera tanto que, pasmem, ele poderia se vender, caso acrescentasse umas ínfimas alterações em seu novo programa!

O que Bill se esqueceu, porém, fora da primeira conclusão que havia tomado da sociedade em que vivia: escatológica. Ou seja, seu julgamento final estaria por vir.
E ele não falhou em sua percepção! Naquele fatídico dia, então, de data desimportante para a continuidade da estória, um outro programa lançara-se nos sites, divulgando as mesmas funções do Bill juntamente com novidades inimagináveis e, para ser bem franca, bem esdrúxulas. No fim, o programa agradou a população... talvez porque fosse gratuito.

Desapontado, pouco a pouco Bill fora deixando de pertencer a outros sites. Desempregado, desamparado, Bill passa a se concentrar em único IP -- aquele cujo dono lançou-o primeiramente no Rapidshare -- do qual não sabemos, e ainda que soubéssemos, não poderíamos informar o número.
Porém, Bill.exe, em seu esgotamento de vida, poderia ter, ao menos, desdobrado dobramentos nunca antes desdobrados. Mistérios como o número desse IP matriz, por exemplo. Mas não! Ao invés disso, desolado como andava, foi se tornando um arquivo cada vez mais velho, mais marginalizado. Até que um dia, quando encontrava-se em quarentena devido à um vírus que lhe assolava, Bill é excluído do computador.

A informação que se segue é algo que Bill.exe jamais poderia supor durante sua "vida severina" e que certamente seria cômica, se não fosse trágica: tudo que ele conhecia e o que não conheceu, quantos programas não poderia ter superado, quantos não o superariam... tudo isso seria extinto, porque o computador, um dia, também quebra.
E quando isso acontecer, nenhum arquivo terá conseguido deixar de ser tão estupidamente burro para descobrir, pelo menos, o IP Matriz!

E assim falou Zaratustra.exe.