quinta-feira, 17 de junho de 2010

Os Nuncas



Eram dois siameses e um seu estado integral. Os gêmeos Nunca-Passado e Nunca-Futuro, praticamente, reverzavam suas atividades, habitados em suas poeiras de nuvens ontológicas, confabulavam e discutiam sobre de quem era a vez de morder a língua. Nunca-Passado era um velho e Nunca-Futuro, obviamente, também. Tinham aparências diferentes, entretanto. Pretérito Imperfeito (com ou sem subjuntivo) - era um dos pseudônimos de Nunca-Passado - tinha a pretensão pelo arrependimento, pelo sentimento de impotência e afins - mas, por vezes, era um tanto orgulhoso, sim; estava na genética dos Nuncas. Se metia em frases tanto como "Ahhh, se eu soubesse, nunca teria...", como também "Ahh, mas nem se ele me amasse, nunca que eu ia...".
Futuro-Nunca, não. Ops, Nunca-Futuro, nessa ordem. É que até mesmo a narração tropeça por querer ostentar tão grande e insigne função desse tipo Nunca: todos o desejam, todos vivem por ele, todos anseiam em vê-lo, mas sempre sem sucesso. Na verdade, é sempre o mais citado, entretanto, sua carapaça inatingível se transforma imediatamente no Nunca-Presente. Enquanto Futuro, possui uma existência ínfima, quase um sopro vital que desaparece a cada "mas é claro que eu nunca farei isso...". Com seus milésimo de trilionésimo de segundos, o Nunca-Futuro consegue gozar de uma felicidade plena de vida. Sua desmaterialização, contudo, consegue ser tão, mas tão imediata, que certas cadeias simples de carbono que pairavam por aquelas bandas que se ofereceram como testemunhas oculares e o próprio Nunca-Passado apenas identificaram o momento de transformação do Futuro-Nunca em um elemento químico não terrestre. Alegaram, entretanto, que, com sorte, poderiam vê-lo, de fato, no futuro.
A comissão de linguistas, professores de gramática e afins encerravam o caso e acabaram, equivocadamente ou não, por tachar o Nunca-Passado como "o mais próximo que temos do Nunca-Futuro, até então". Com uma pontinha de desanimação, claro, pois sabiam que "o passado nunca iria construir o futuro. Nunca!" (exceto quando colocavam hífen em algumas palavras da frase e alteravam um pouco a pontuação, fazendo com que assim, pudessem a usar freneticamente).

A verdade é que o Nunca-Futuro era o messias dos linguistas, pois sabiam que quando ele comprovasse Sua existência, faria com que todos eles também finalmente entendessem a Santíssima Trindade dos Nunca e, certamente, por pertencerem a um então seleto grupo que entende algo tão complexo assim, seriam salvos.
Entretanto, enquanto isso não acontecia, discutiam, pois, a banalização do Nunca-Presente, que possui grande acomodação no tempo constante de frases como "eu nunca faço isso" e, consequentemente, atrela fundamentalmente seus atos também no passado, além de gerar expectativas num futuro que ele mesmo desconstruirá e desconstroi. Sabe-se também que, num gesto muito insolente, o Nunca-Presente se aproveita da falta de espaço de tempo do futuro para proferir frases que possuem a autoria do Nunca-Futuro.
Nesse espaço de poeira cósmica em que estão insertos, então, os que sobraram, Nunca-Passado e Nunca-Presente, discutem quem possui a natureza mais indefectível dos dois e, assim, alegavam coisas como "o único espaço de tempo que existe é o passado: tudo não passa de um registro de memória" e o outro replicava com "IDIOTA!! O QUE ACHA QUE ESTAMOS FAZENDO AGORA?!", o outro treplicava "o que você acabou de dizer já é passado. E isso também, e isso, e isso, e isso...", até receber um chute do outro que terminava com um "POIS TOME ESSE PRESENTE!!"

Confusos, atordoados e sentindo-se um pouco culpados, os linguistas, filósofos, professores, pesquisadores da comunicação e até mesmo os desocupados resolveram entrar num consenso e substituir os Nuncas pelo Jamais.
Mas quando descobriram que também isso não daria certo, resolveram abrir a mente para uma nova semântica nas próximas frases e aceitaram adotar o incerto "pode ser" ou o "quem sabe".
Cansados da falta de sentido que haviam criado e preocupados com a popularização das novas expressões, esses estudiosos resolveram cunhar uma sentença e soltá-la por aí como provérbio popular: para cada indivíduo incrédulo sobre a morte dos Nuncas, rapidamente diziam "Nunca diga nunca!"

E, assim, nos parece que o ciclo e a maldição dos Nunca pode ser que não tenha acabado. Quem sabe?

Um comentário:

zukito disse...

nunca.

adoro como tu consegue viajar horrores e mesmo assim ter sentido o que tu escreve. se fosse outra pessoa já tinha desistido. rs

besos :*