domingo, 5 de setembro de 2010

O Mediador


Era, portanto, hora de confinar-se em seu próprio calabouço metafísico. Exposto sob espectros de luz de existência, então, duvidosa, ele matutava sobre suas ideias que transgrediam os paradigmas convencionados da realidade terrestre.
Era curioso o processo da criação - a existência desse sujeito perpassava e acompanhava todo o disco protoplanetário que emergia após o surgimento de uma estrela proveniente do seu próprio caos; só que nem ele mesmo existia por completo como imagem. Era provável, por enquanto, que fosse apenas um eco de existência proferidos por alguém de ordem superior.

Mas materializou-se, por fim: não tinha nada de extraordinário, o mediante era apenas um sujeito com um semblante taciturno, desgastado e resignado com sua própria atividade, com bigode e sobrancelhas despenteadas. Porém, não era o único nesse mundinho de valha-me-Deus: existe um espaço onde residem os discursos humanos um dia já ditos (pela palavra ou não), no qual habitam como devaneios, todos fundidos unilateralmente, com assuntos desorganizados, quase inviável de transmudá-los e, então, transportá-los através de palavras – são chamados, assim, de ideias inefáveis.
Os outros mediadores desses transporte de mensagens, contudo, geralmente estão sempre dispostos e, por isso, trabalham regularmente, veiculando o discurso àquele a que o deseje comunicar, dia após dia.

Não se pode, porém, julgar a indisposição de nosso mediador em trabalhar. Afinal, não se tratam de mensagens factuais, ou corriqueiras e banais, mas possuem a especificidade das metáforas, do fictício, do significado implícito ou não, e todos esses outros recursos que demandam uma das facetas do literário.

O que este mediador do qual tratamos tenta evocar agora – após uma breve visita à pocilga dos discursos – é de que é também justa a vida leviana da pessoa responsável pela administração do canal das mensagens (no caso do mediador: a escrita), com tudo de mais dionisíaco e passível de fazer sentido social.

Entretanto, ainda que se acentue a exaustão no rosto durante o processo de seu trabalho, o mediador muito sente pela interrupção da transmissão de suas mensagens e anseia, encarecidamente, que esse canal não se esqueça também daquilo que não é passível de fazer sentido.

E que o deixe trabalhar.

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